Textos

Compartilhando ideias

Essa seção do site eu destinei para compartilhar com você visitante um pouco das ideias que nascem, às vezes nas sessões, às vezes fora delas, e se transformam em palavras. É uma maneira de conhecer um pouco do meu trabalho e do Alex além do profissional que senta na outra poltrona ou do outro lado da tela para ouvir. Clique no título para abrir o texto. Sinta-se a vontade e boas leituras!


Alex Ribeiro Lopes

CRP: 01/19792


Despertencimento

A primeira vez que entrei em contato com uma história que mostrava o despertencimento foi quando conheci o conto O Patinho Feio. O ser rejeitado, não se encaixar no grupo em que nasceu, sua própria família, foi algo que me marcou bastante.

Imagine, meu caro leitor, uma criança, um menino, que sentia muito sofrimento nos grupos em que tentava ou era obrigado a participar. Uma enorme estranheza e consequente sensação de inadequação tomando conta dele. E ele se retraía, afinal, será que aquilo que o faz diferente vai ser bem aceito pelos outros? Era uma pergunta que precisava ser feita, mas que de repente ele não conseguia se perguntar. O caminho era se esconder dentro de si mesmo e esperar que tudo acabasse.

Essa sensação de inadequação ia persistindo e ele tentando a todo custo mudar ou esconder suas diferenças. Ia dizendo para si mesmo: “Se choro muito, vou engolir o choro. Se nada do que eu digo é interessante, vou ficar mais calado. Se não consigo fazer algo sozinho, vou dizer que não gosto daquilo para não ter que pedir ajuda. Se não sei algo que “todo mundo” sabe, vou fingir que não tem importância para mim”. E assim foram sendo feitos tantos ajustes que ele de fato se adaptou, mas sem que ninguém o notasse, sem que os outros pudessem perceber que ele sofria por não poder ser ele mesmo.  Por fim, acabou se camuflando.

Já na adolescência, quando a sua identidade de fato começa a se impor, todo aquele silêncio do ser eclode numa enorme revolta. O mundo parece injusto ao permitir que alguns garotos possam ser quem são e serem celebrados por isso, enquanto outros continuam sendo os esquisitões, como nosso patinho feio. Daí vem inúmeras dificuldades com autoestima, e com sorte encontra um grupo de outras pessoas que como ele se sentem excluídos do mundo. É o convite para acessar algo novo, a liberdade de poder ser quem realmente é.

Se pensamos na trajetória do Patinho Feio como um modelo de transformação e redenção dos problemas de pertencimento, logo concluímos que aceitar a sua essência, a integralidade de sua personalidade é o caminho para se livrar do peso de se anular para caber em algum “lugar”. Mas como chegar nessa segurança de ser si mesmo, se a sua personalidade, suas características, é que são entendidas como geradores de sofrimento, empecilhos para a tão esperada felicidade, para o tão esperado amor recebido. Como se aceitar diante de tanto sofrimento?

Acredito, pelos anos de trabalho clínico que venho acumulando, que não há outro caminho que não seja um reconhecimento e um ressignificar de suas características. Nosso Patinho terá de descobrir-se Cisne e vai perceber que pode não nadar tão bem quanto os patos, não mergulhar como eles, mas que voa formidavelmente como nenhum pato poderia voar. Que não vai ter tantos amores como eles, mas que será leal ao amor quando encontrá-lo. Assim são os Cisnes. Terá de descobrir como a suas diferenças vão levá-lo a novos lugares, e nesses novos lugares ele finalmente poderá  ser si mesmo, com a tranquilidade que sempre desejou.

É certo que não somos de espécies diferentes e que o nosso despertencimento se dá por motivos comportamentais, mas como seres complexos que somos, vamos precisar aprender que nossas características é que dão contornos à nossa forma de ser no mundo.


Alex Ribeiro Lopes

CRP: 01/19792



Imperfeições

Parei diante da tela do computador para escrever esse texto, já sabendo parcialmente o que eu queria dizer, mesmo assim eu ainda fiquei ensaiando alguns possíveis começos, frases de efeito ou uma maneira clara de introduzir minha ideia. Foi então que percebi que não fazia sentido buscar um começo perfeito para um texto que se propõe a falar de imperfeições.

Em seguida me perguntei se quem viesse a ler o texto entenderia se eu o escrevesse de qualquer maneira, e aí me dei conta de que a minha busca por perfeição se dá em parte pelo meu receio do olhar do outro e, concomitantemente, sobre esse outro me desaprovar com seus parâmetros superiores.

Nesse momento, ainda com o texto sendo pensado e escrito, fui me dando conta de que esse outro, ao ler o texto, entraria em contato com a ideia, mas não com meu sentimento ao transmitir a ideia. Portanto, se o texto for imperfeito, é ele próprio, o outro, que se vê ali nas minhas palavras.  É a mesma coisa que eu dizer que aqui, de onde escrevo está uma temperatura amena, e o outro, num sol escaldante, dizer que eu não sei descrever o tempo, pois está quente e não ameno.

Me dei conta de outra questão, que o outro tem importância demais quando dou a ele o poder de avaliar o meu texto, ou melhor, de avaliar minhas imperfeições. O crítico é aquele que aponta os erros sem ter posto a mão na massa. Pois veja, a imperfeição é o detalhe, é aquela parte que faltou, e nós somos seres faltantes, até mesmo os narcisistas são, apesar deles negarem isso. Então, me apontar as imperfeições, acusando-me delas, é como negar todos os caminhos do meu pensamento e do meu sentimento até que se tornassem imperfeições. Não se dá conta de quanto trabalho dá para elaborar tudo isso? Provavelmente não, já que há uma ilusão ao se sentir perfeito e, consequentemente, completo.

Como seria ser completo? Sem nada faltante, sem um traço torto, uma nota desafinada, uma letra fora d o lugar? Sei que é aprisionador. Não há espaço para nada novo, e o lugar mais belo para onde se pode olhar em tais circunstâncias é o próprio espelho.

Bom, já eu continuo aqui tentando lidar com minhas imperfeições, tentando lidar com minhas lacunas e tentando traduzir em palavras o que vivo ao entender que falhei, falho e falharei enquanto estiver vivo. É frustrante, sem dúvidas, mas desde que aprendi a lidar com isso, não preciso mais que o outro me diga qual o meu caminho. E errante vou indo com os meus imperfeitos passos, feliz e sozinho.


Alex Ribeiro Lopes

CRP: 01/19792

Sobre atuar e clinicar

Me peguei pensando sobre qual seria a vocação do psicólogo, o que o desperta para o ato de cuidar do mundo psíquico do outro. Não pude deixar de buscar nas minhas próprias experiências e lembranças a referência pra essa resposta. O que me veio a mente foi a imagem de uma criança que estava de fora dos acontecimentos ao seu redor, como uma observadora atenta aos acontecimentos e expressões daqueles outros que ali estavam.

Essa oportunidade de poder olhar para os outros e para si mesmo com a curiosidade de entender, de decifrar, foi a primeira chama que se acendeu em mim. Vale ressaltar que quando digo observar, me refiro a não só olhar, mas ouvir, sentir e refletir sobre aquilo. Afinal de contas o que é isso que se passa aqui? Quem é essa pessoa que conheço e desconheço ao mesmo tempo? Quem sou eu mesmo que ontem senti-me bem e hoje mal com essa mesma situação?

Ao me vir essa imagem, me fiz a seguinte pergunta capciosa: E como alguém com a vocação de se colocar de fora, de observar, vai desejar ser um ator? Bom, acabei chegando na conclusão de que o ator faz algo bem parecido com o psicólogo. Explico: o ator observa, sente, vive seu personagem para mostrá-lo ao público e revelar coletivamente como nós somos, como é nossa humanidade. No encontro entre o eu do ator e seu personagem nasce essa possibilidade. Já o psicólogo, no seu trabalho, encontra o eu do paciente e apresenta para ele, individualmente, sua humanidade.

Nesse momento consegui compreender algo que a muito tempo me inquietava, como consigo vivenciar essas duas profissões a princípio inconciliáveis ao meu ver? Acredito que agora consegui apaziguar essa questão. Foi a maneira que eu encontrei de transformar a minha história em algo novo, de sair de mim e chegar até o outro. De além de observar, agir.


Alex Ribeiro Lopes

CRP: 01/19792